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Mostrando postagens de outubro, 2016

Historema 10

No caminho até a quadra poliesportiva no fundo do pátio, percebi que o colégio que me contratou para arbitrar a competição não tinha nenhum negro entre seus alunos. Posso notar o fato logo, mas não vou protestar no jornal. Não estou no mundo para fazer revolução, por mais que me critiquem. Falta-me consciência de classe? Pessoas de todas as cores praticam ações que me embaraçam como ser humano. O que me faz lembrar aquele dia aconteceu mais tarde. O jogo começou e as equipes eram equilibradas. Defendiam as turmas de estudantes. Era a partida entre, digamos, a sala 11 contra a sala 16 — grupos formados dois meses antes, em parte por sorteio, numa papeleta pautada da secretaria, mas que lutavam encarniçados como se fossem religiões milenares. O adolescente que brincava de técnico de um dos times cumprimentou-me com educação e talvez até com dentes claros, antes do início. Ao longo da partida gritou muito com seus amigos e me fez perguntas. Irritou-se apenas de leve com algum

Historema 9

Eu quase não percebi aquele personagem diminuto. Era apenas um homem qualquer, sentado ao lado de uma moça no banco de espera do restaurante. Conversavam distraidamente quando entrei, faminto, procurando com urgência a anfitriã. Mas ela não estava no balcão do vestíbulo. Conheço bem a casa. Passei ao salão das mesas e ela me viu, voltando de acomodar três jovens lá no fundo: — Só um lugar hoje — expliquei. Aguardei de pé, ao lado do homem que falava continuamente com sua companhia. Éramos apenas nós três. Cinco minutos se passaram sem aparecer mais ninguém. A anfitriã enfim me chamou. Eu me movi para segui-la, mas o homem se interpôs abruptamente: — Nós chegamos antes. Percebi a consternação no olhar da funcionária, que deu uma espiada na sua ficha e perguntou o nome dele. Ele não havia se inscrito. — Mas o senhor sabe que nós chegamos antes — ele argumentou. Quase abri mão do privilégio, mas o estômago reforçou o seu sinal e eu respondi ao homem apenas com um gesto,

Historema 8

Seria um melindre insensato temer suas possíveis reações. Eu estava decidido. Com o sábado livre, cheguei ao velório cedo, antes do caixão. A funcionária apareceu com uma papeleta na mão, estudou o mural de entrada e fixou, diante do número 4, o nome do defunto que eu aguardava. Pouco depois ele chegou. O ataúde era carregado por servidores esbaforidos. Atrás deles surgiu o Fabiano, um dos filhos, meu amigo de infância. — Lamento — me adiantei. Ele agradeceu por minha presença e até sorriu. Perguntei sobre o menininho, seu irmão. — Está vindo no primeiro voo. O menininho ainda arrastava carro de bombeiro e juntava tralhas na época em que o Fabiano e eu estudávamos para o vestibular, debaixo do ventilador catracante. Agora bacharelado, laureado e desempregado, eu o vi recentemente em talk-show na TV, desfiando suas conquistas digitais. Estava rico. As pessoas iam chegando, consegui me encaixar em duas ou três conversas. Peguei bolinho, café, visitei o mo