Neste século de protagonismo das convicções, foi espantosa a atitude do meu amigo Saulo diante de uma grave decisão.
Claro que grave apenas para nós,
então adolescentes. Coisas do grêmio estudantil, um poder já moderado pela
oficialidade da escola e que valia somente até a calçada do prédio. De todo
modo, era aquele o rio que corria por nossa aldeia.
Chegavam as eleições, e uma
proposta de coligação entre chapas despertava desavenças e disputas pelas
secretarias dominantes. Estávamos pressionados pelo surgimento do Bloco Galera,
um grupo populista que minava o movimento estudantil. Aquela gente pregava um
grêmio relegado a promover festinhas, atraindo deturpadamente colegas que nem
eram propensos a votar.
Fui incumbida de persuadir Saulo,
que resistia contra a solução que considerávamos mais segura. Ele era, diga-se,
voto vencido. Porém, mesmo na democracia débil da meninada, a insatisfação da
minoria derrotada acaba sempre sendo um fardo a ser gerido depois por aqueles que
fizeram valer sua posição.
Eu detinha os argumentos, mas
Saulo era um menino. Os meninos se entrincheiram num resistente refúgio chamado
autoestima. E não é apropriado atrair alguém para fora dessa nobre caverna – mais
honesto é visitá-la, apresentando nossas melhores armas.
Tinha a estratégia de esperar que
ele me procurasse. Quem toma a iniciativa muitas vezes provoca abalo. Na
passiva, eu estaria preparada para um diálogo pelo qual o interlocutor também se
interessava. Estaríamos juntos dentro do ringue da razão, único lugar em que tinha
esperança de vencê-lo.
– Precisamos formar imediatamente essa
posição – ele começou, vindo ao meu encontro num intervalo entre aulas. – Se
não fizermos a coligação com o segundo ano, vamos acabar perdendo a eleição para
o Bloco Galera.
– O seu cálculo faz sentido, Saulo
– minha resposta estava quase ensaiada. – A divisão em três pulveriza as
atenções, e o grupo dos bagunceiros pode precisar de uma margem menor para
ganhar. Mas devemos ver as outras consequências também. O segundo ano é fraco e
uma coalizão vai trazer mais competição interna do que votos. Teremos menos
energia para a campanha, e propostas menos firmes. O melhor é cultivarmos nossas
forças. O outro lado provavelmente vai minar por seus próprios deméritos, e podemos
impor uma seriedade que o Bloco Galera não conseguirá enfrentar.
Ele ouviu cada palavra e jogou os
olhos para um ponto distante. Aconteceu naquele momento. O que eu esperava era
a obstinação, o martelar das mesmas alegações, “os belos planos são inúteis sem
a vitória”, o abrigo da opinião dentro do profundo reduto do orgulho. Mas ao
final sua cabeça apenas acenou, e com duas palavras ele demonstrou que havia
compreendido a situação.
Mais tarde, votamos em unanimidade
pela preservação da chapa.
Como eu poderia esquecer aquele
raro instante em que um indivíduo conseguiu rebaixar sua própria opinião diante
da razão clara que lhe era oposta?
As palavras acima, creio tê-las
transcrito com precisão. O resultado final do pleito? Disso já não me recordo.
Belo texto. A Galera foi o nosso primeiro contato e esforço conjunto para derrotar o populismo irresponsável por meio do voto. Muitos da tal galera, com toda certeza, hoje são militantes da extrema direita, alguns, talvez, até se gabando dos seus tempos da tal Galera. E nós vencemos aquela eleição.
ResponderExcluirOlha só! Você se lembrou do "fundo de verdade" dessa história! :-) Obrigado pelo comentário, Marcus, abração!
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