Eu já estava apavorado bem cedo pela manhã. Temia ser forçado a cursar o Tiro de Guerra.
Cheguei ao quartel da cidade sem atraso. Desci do ônibus com cinco minutos de folga e apertei o passo para entrar a tempo.
Ter começado a faculdade provavelmente me anistiaria do serviço militar. A dispensa médica eu não tinha conseguido. Havia insistido com o avaliador alegando que meu pé era chato e que eu passara por uma intervenção no cóccix. Ele me sorriu com indulgência, mas se ateve à disciplina e carimbou minha ficha como apto.
O portão do quartel estava aberto. Sua guarda era feita por um menino como eu, só um ano mais velho, decerto cumprindo seu fim de serviço. Eu não sabia se lhe devia continência, aceno ou distância. Na dúvida, apenas o olhei de leve arremedando respeito, mas seu olhar rígido não cruzou com o meu.
Depois de algumas passadas já dentro do pátio, porém, sua voz me atingiu pelas costas:
— Está atrasado! Começou às oito! Anda!
Olhei para trás e reconheci que aquela descompostura áspera e inesperada era dirigida a mim.
Ele não podia ter razão. O papel no meu bolso me convocava para as oito e meia.
Apenas continuei meu caminho. Aquele pastiche de autoridade talvez merecesse que eu voltasse com calma e intencional lentidão para mostrar seu erro. Fantasiei uma performance cínica:
— Estranho, não é o que diz neste papel oficial, assinado por algum dos seus incontáveis superiores — eu diria.
Mas eu ainda não tinha a dispensa nas mãos. Cheguei à sede pontualmente.
Em dez minutos saía aliviado, portando o protocolo redentor, agraciado pelo excesso de contingente. Bendita concorrência! Eu poderia continuar a ostentar meu pacifismo, para sempre virgem no disparo de fuzis e nas entoações de fúria bélica.
Mas mesmo a Paz tem limite, e o meu guardinha de estimação devia me esperar para uma boa conversa.
Quando tornei a vê-lo, o sol batia forte. Flagrei-o fora de postura. Esfregava os olhos contra a luz que o ofuscava apesar da pala aquadradada do quepe.
Só podia estar exausto àquela hora: os recrutas devem entrar às quatro e meia, asseados e nutridos, as botas bem limpas e a farda impecável com cinco vincos. Depois dos exercícios vinham as atividades subalternas, as práticas rotineiras sem um sentido claro, a obediência rigorosa. Uma sina da qual ele não tinha se libertado, como eu.
Passei pelo portão calado. Olhei para ele de novo e desta vez nossos olhos se cruzaram. Naquele instante, pensei tê-lo visto curioso com meu resultado. Senti — mas eu devia estar sendo induzido por meus próprios devaneios — senti que ele tinha torcido por mim. Que ele conhecia o horror de estar atrasado ali, na cidadela da subordinação, e que não podia desejar aquele horror para mais ninguém.
Comentários
Postar um comentário