Depois de um dia maravilhoso, como um sábado no Ibirapuera com meu filho Wellington, eu vou para a cama, agradeço a Deus e durmo com um retrato mental daquelas horas, o calor ainda na minha pele.
Mas acho que, com o pequeno menino, o que acontece é diferente.
Trabalho diariamente no apartamento de sua mãe e ele sempre me
pareceu um garoto normal. Ri quando se deve rir e chora quando se deve chorar.
Pede doce e brinca de criar infernos quando o recusam. É bonito, rechonchudo,
vulnerável.
Mas acho que com ele é diferente o poder de adorar o que se
acabou de viver.
Naquele dia, fim da tarde, eu só esperava que voltassem do
passeio, ele e a mãe, para poder descer ao ponto de ônibus. Quando entraram, vi
que ele voou através da sala num grande estado de estímulo. A patroa comentou
comigo:
— Acho que ele nunca se divertiu tanto.
Dava graça de ver o menino ofegante:
— Vou escrever no caderno, mamãe. Vou escrever no caderno tudo o
que aconteceu.
Esquentei a comida para eles, um sorriso, recordando meu próprio
filho, que tinha crescido e voltado para Aracaju. Pus os pratos na mesa e a
patroa se levantou para chamar o filho, mas ele já vinha lá de dentro, desta
vez lento, cabisbaixo.
— Mamãe — ele perguntou —, amanhã pode ser hoje de novo?
— Amanhã não vai dar, lindo. Mas semana que vem a gente pode ir outra
vez.
Ele deu duas colheradas na janta, pensativo:
— Mas não vai ser hoje de novo — comentou.
— A gente pode se divertir do mesmo jeito.
Ele parou de comer e então arregalou os olhos com uma grande
descoberta:
— Mamãe, a gente não devia ter voltado! A gente devia estar lá
ainda!
A patroa riu de boca cheia:
— Não dá, lindo. Fica tarde e eles fecham.
Ela nem reparou que ele tinha soltado a colher e se recostado na
cadeira.
— Como é que pode que nunca mais seja hoje de novo?
No dia seguinte, preparei seu leite cedo e fui chamá-lo para a
escola. Quando entrei no quarto, vi que seus olhos já estavam abertos. Ele me
viu, ergueu-se depressa e foi olhar pela janela cuja persiana eu estendia
para deixar a luz entrar.
O quarto se iluminou fracamente, e o menino viu lá fora uma névoa
que o abalou.
— Não tem sol. Não é o mesmo dia. Agora aquilo tudo é ontem.
De noite, na televisão, já em casa, vi que repetiam uma novela.
Teve uma cena alegre e lembrei-me de quando a vira pela primeira vez. Era um
casal de amantes fazendo as pazes depois de uma discussão na praia, o mar ao
fundo. Então que eu entendi o menino. Na minha frente, bem ali na tela do
aparelho, aquele mesmo dia alegre estava existindo de novo.
Salve, Paulo. Adorei este historema sobre, a meu ver, a desilusão da impermanência. Belíssima execução. Seu texto me parece sempre meticulosamente calculado para exigir atenção do leitor, e isso é precioso. Avante!
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