Pensaram depois que o rapaz tinha estado na algazarra com os colegas. Não é verdade. Eu vi como aconteceu.
A pousada de três pavimentos havia sido um seminário, erguido séculos antes com paredes espessas e salas que ecoavam qualquer suspiro. O turismo moderno cercou o terreno e expulsou a fé do prédio. Nossos eclesiásticos foram ser formados em outro lugar, ou então desistiram.
Os aposentos destinados aos universitários eram daqueles quartões enormes de vinte camas. Como eu estava sozinho, num retiro mental (e não espiritual), obtive um cômodo que, em minhas especulações líricas, pode ter sido uma cela de expiação para padres penitentes — senão o armário de vassouras.
Parece que se hospedariam por dois dias. Pelo tempo que ficassem, não me incomodariam. Eu não fugia das pessoas. Estava experimentando o distanciamento dos hábitos que giram em falso na rotina da civilização.
O que há de errado numa confraternização de jovens? É certo que no meu tempo os costumes — os costumes explícitos — eram diferentes. A animalidade estava presa. Difícil descrever a jaula. O mundo funciona enquadrado na atmosfera de cada época. Mas os homens continuam essencialmente iguais. Eram e ainda são assim: minúsculos organismos de fraquezas e sonhos.
Aquele rapaz saiu de perto dos pares já bem tarde, atravessando o saguão de cadeiras de vime onde eu me abismava na renda portuguesa à minha frente, acompanhando como uma criança as ramificações sucessivas de suas folhas. Eu me distraí ao vê-lo e recebi o olhar que me lançava sem parar de caminhar. Aqueles segundos me espantaram. Era como um rosto de espinhas com a encarnação de um espírito centenário.
Saiu pela porta da frente e não vi se tinha algo na mão. Um minuto depois observei pela janela que ele se sentara no piso de pedriscos da garagem e levava o gargalo de uma garrafa diretamente à boca. Podia ser água, e eu cochilei.
Caí num sono intermitente, despertado às vezes pelo barulho da farra dos jovens na sala ao fundo. Nem me lembro de como voltei ao quarto, apenas da notícia chegando bem cedo: seu corpo havia sido encontrado pela manhã num jardim lateral da pousada.
O assunto se espalhou no mundo virtual, de onde pudemos rastrear seus passos: primeiro uma grande orgia, meninas lambendo champanhe de outros peitos, depois os gritos, música eletrônica, alguma discussão e por fim a aposta fatal, que o levara a transformar suas artérias em uma mistura homogênea de álcool e sangue.
Conheci gente irresponsável e indecente de todas as idades, mas não aquele rapaz. Eu tinha lido seus olhos durante os segundos em que encontraram os meus: “Acham que nada me dói, tio. Sou moço, feliz, livre, né? Acham que não me importo de acordar todo dia sendo eu. Precisa ser Descartes para conhecer por dentro esta existência e esta solidão?”.
Dormi mal a noite seguinte, mas meu quarto ficou grande como o infinito.
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