Eu poderia tentar alegar que era apenas um menino. Mas naquele instante, assim que vi Pedro cair na tocaia, mesmo criança entendi que eu tinha agido muito mal.
Também poderia dizer que Maurício, muito maior do que eu, havia me coagido a representar aquele papel. Mas não tinha sido bem assim. Ele me mandou, mas não como quem impõe. Ele me mandou como quem acredita estar prestando um favor, dando a mim, e não aos outros moleques da rua, a oportunidade de participar daquela grande emboscada.
Hoje tenho um filho. É um horror vê-lo com o menor dos ferimentos. Quando meninos, porém, em nossa própria carne um corte é um troféu.
Pedro não saía mais de casa depois da escola. Sabia que Maurício queria pegá-lo, em vingança. Seria desigual. Pedro havia vencido a disputa anterior porque fora artilheiro como Davi, lançando uma bolinha de gude no Sansão. Distância prudente do guerreiro mais forte.
Mas naquela tarde, logo após o almoço, bati no portão de Pedro e o chamei para jogar bolinhas. Seu olhar brilhou de vontade, mas ele não avançou pela calçada, desconfiado.
Primeiro girou o pescoço para todos os lados, prospectando a presença do opressor. Então caminhou até o terreno baldio vizinho, último esconderijo possível. Se o inimigo estivesse espreitando ali, ainda haveria tempo para bater em retirada portão adentro.
Fiquei em minha posição disfarçando o desassossego. Ele não viu ninguém atrás do muro e demonstrou alívio, mas por pouco tempo. De cima de mim, da árvore insuspeita, Maurício saltou ao chão para arrematar a cilada. Ele estava agora a meio caminho entre Pedro e seu portão salvador.
Da varanda da casa em frente, outros meninos surgiram, desfazendo o silêncio, para poderem ver a luta de perto. Desconfiavam de que seria uma surra, mas drama é sempre drama.
Antes do combate corpo a corpo, prato principal da tarde, Maurício parecia saborear a vitória da manobra. Tentava extrair do olhar do pequeno Pedro não o terror banal da iminência do massacre, mas a humilhação por ter caído no ardil. Chegou a me parecer que o agressor estava satisfeito, que a própria luta seria supérflua. Se Pedro talvez fizesse um gesto para derrubar seu Rei, a contenda se encerraria de imediato com um aperto de mãos, como quando o derrotado abandona uma partida de Xadrez.
Não foi o que ocorreu. Pedro tomou fôlego ao perceber que precisava enfrentar aquele pequeno destino. Compensou a inferioridade agindo com surpresa, iniciativa e velocidade. Os dois se engalfinharam, a plateia vibrou, socos foram dados nas costas e logo tudo acabou. No primeiro desengate, Pedro se esgueirou para dentro de casa e Maurício, amarrotado, fez aos vizinhos um gesto vencedor.
Para mim, porém, o resultado foi diferente. A tarde morreu, obliterando o embate. Tudo foi esquecido. Pedro e Maurício nem eram seus nomes.
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