“Leito de morte” é uma expressão que eu sempre tinha considerado romântica e exagerada até que visitei meu amigo Nelson numa tarde inapropriada em que havia enfermeiros e parentes circulando com agitação por toda a casa.
O pai dele tinha piorado de alguma doença cujo nome sou incapaz de recordar, mas que em princípio não devia ser letal. Vinham de vozes — que claramente haviam tentado se controlar — manifestações de revolta contra médicos precedentes:
— Deixaram ele ficar assim.
Estávamos de férias e eu ia toda tarde até o Nelson após o almoço para trocarmos tiros no videogame ao som de rock pesado. Naquele dia passei direto pela porta destrancada e ninguém se lembrou de me mandar embora.
Entendi o que estava acontecendo e fui espiar meu amigo sofrer.
Entrei no quarto do seu Expedito, que estava inconsciente enquanto sua pressão era aferida por uma mulher desconhecida. A única outra pessoa no quarto naquele instante era o Nelson, que olhava para o pai com serenidade, de pé na passadeira de juta.
Ele se distraiu com minha aparição e seu olhar me comunicou duas palavras. Penso que entendi que ele me esperava. Que tudo estava bem e iríamos logo em seguida para começar o nosso jogo.
Eu desejava jogar, e arrazoei internamente que o faria se fosse para aliviar a inquietação do meu amigo. Mas eu já compreendia que ninguém mais veria dessa forma e sabia que deveria manter uma conduta circunspecta.
De fato, Nelson continuou parado ali de pé. Na cama, seu pai estava tão imóvel que me arrepiei com o pensamento de que talvez já não tivesse vida. Mas a mulher deu para si mesma em voz alta a pressão aferida e saiu do quarto com muita pressa.
— Ele vai ficar melhor amanhã — Nelson decidiu me dizer. — Não é uma doença fatal.
Nem bem balancei o corpo para poder chegar mais perto, ele me atirou um gesto imediato para que eu me paralisasse. Acatei a ordem. Ele, porém, se moveu: deu um passo até a gaveta do criado-mudo, abriu-a e tirou dela uma pistola escura de cano curto. Conferiu a munição e a destravou. Depois apontou a arma para mim.
Recuei murmurando tranquilices, mas seu dedo estava fora do gatilho e ele baixou a pontaria do revólver para o chão.
O seu Expedito chacoalhou com um soluço e nós dois giramos o pescoço prontamente. Pensei que pudesse ser seu último suspiro — e assim flagrei, em mim mesmo, um desconcertante romantismo.
Saí do quarto, saí da casa, triste. Já descendo a rua, pareceu-me ter ouvido tiros. Era o jogo dentro de mim? Nenhuma ocorrência foi confirmada.
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