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— O que essa careta está fazendo aqui? Nem cerveja ela bebe.
— O que essa careta está fazendo aqui? Nem cerveja ela bebe.
Escutei essa frase a alguma distância. A própria Raquel não percebeu. As duas meninas que ouviram o Válter ficaram quietas. Só a Manoela concordou com a cabeça, indiferente.
O calor de novembro não rompera de todo o nosso jeito matuto, e a piscina estava vazia naquele momento. Uns três ou quatro colegas tinham mergulhado um pouco antes, mas já se secavam ao sol, exibindo o tórax. Eu havia me empanturrado de carne e fiquei com medo de ter uma congestão dentro da água.
A churrascada do pessoal da escola ia durar até de noite.
Eu também não bebia cerveja. Mas eu é que tinha encomendado os barris e feito o açougue, então ninguém me hostilizava frontalmente nem fazia comentários dissimulados. Eu tomava refrigerante com desenvoltura e meu próprio senso de virilidade.
Sentada perto da mesa, notavelmente afastada do convívio, a Raquel mantinha o sorriso ameno de quem, de algum modo, se considerava suficientemente integrada e satisfeita. O crucifixo pendurado no peito era pequeno, mas saltava para fora da camisa de linho azul.
Na varanda sombreada ao lado da churrasqueira, ia aumentando o grupo dos que papeavam sobre sexo e tópicos que tais. Marcos, o filho do dono da chácara, ainda com o peito despido depois do banho de piscina, havia se estirado na espreguiçadeira plástica e palestrava à vontade, patenteando conhecimento de causa. Os virgens sugavam os saberes com sofreguidão. Olhos brilhavam. Quem tomava a palavra procurava apregoar seus exercícios sentimentais com aparência de naturalidade.
Permaneci algum tempo na órbita desse congresso, mas logo me desloquei em direção à Raquel depois de avistá-la cada vez mais isolada, ainda na mesma cadeira e com o mesmo sorriso.
— Você comeu bem?
— Estava tudo ótimo, obrigada.
Sentei-me junto a ela e tentei pensar em algo para dizer. Mas ela se antecipou:
— Eu gosto desta turma. São pessoas divertidas e inteligentes. Uma obra de Deus. Minha mãe não queria que eu viesse. Entendo o lado dela. Alguns costumes podem ser viciosos. Mas Jesus toca cada um no tempo de cada um, de acordo com sua sabedoria.
Ela pausou e eu acenei transigente.
— Tenho uma família linda que me conduziu para esse caminho — ela continuou —, mas será que não fui tocada cedo demais? Agora é a responsabilidade. Fiz bem em vir. Ri muito! Deus vai abençoar esses meninos.
Da outra banda irrompeu um grito etílico que deflagrou uma reação em cadeia de manifestações ruidosas. Muitas risadas, vozerio cruzado. Detectei certa fala meio sussurrada que juntava uma obscenidade e a palavra “Raquel” na mesma frase.
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